quinta-feira, 22 de abril de 2010

O Soldado e a menina morta

Fonte: Revista ÉPOCA 19 abril N 622I

Quem é o bombeiro que se tornou um símbolo do sofrimento e do heroísmo dos cariocas na enchente.

Rafael Pereira

O soldado combatente Flávio Fernandes de Carvalho tem 27 anos. Está no Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro há menos de dois, sempre no 11º Grupamento, em Vila Isabel, Zona Norte. Nasceu e cresceu no subúrbio da cidade. Desde os 16 anos, é apaixonado por surfe e pega ondas toda semana. Aos 18, entrou para as Forças Armadas e tornou-se fuzileiro naval. Antes de ser bombeiro, trabalhou como motoboy entregando comida chinesa. Não é casado, mas mora com a namorada, que está grávida. É um brasileiro comum, mas virou um dos símbolos da tragédia das chuvas no Rio, na semana passada.

Flávio Fernandes foi o bombeiro que estampou a capa de ÉPOCA na última edição, segurando nos braços uma menina morta. A mesma foto esteve em destaque nos jornais do país que noticiaram a tragédia que se abateu sobre o Rio, depois de quatro dias de chuva forte. As ruas ficaram alagadas e a cidade parou. As encostas desabaram, provocando mais de 250 mortes. Dezenas de pessoas ainda estão desaparecidas.

Na manhã da quarta-feira, o soldado foi ao trabalho com a equipe de seu batalhão com a missão específica de retirar um bebê que ainda estaria nos escombros de um deslizamento no Morro do Borel, na Tijuca, Zona Norte da cidade. Era Ana Luzia, de 1 ano e 10 meses de idade. A mãe dela, que estava grávida, e uma irmã de 6 anos tinham sido retiradas sem vida dos escombros no dia anterior. O pai era desconhecido, e não foi visto no local.

Assim que encontrou Ana Luiza, Flávio teve tempo de reter a enxada que um dos moradores estava prestes a usar para golpear a terra. A partir daí, passou a trabalhar devagar, com uma pá parecida com a de pedreiros. Tirou-a, morta. Ela foi enrolada por uma manta pelo colega de turno, e o próprio Flávio levou-a nos braços até a quadra da comunidade. “Foi nesse momento que tiraram a minha foto”, disse Flávio em entrevista a ÉPOCA, exatamente uma semana depois do ocorrido.

Flávio se diz muito católico. Depois de outra diligência de sua equipe, passou numa igreja de seu bairro e pediu pela alma da menina, e de todas as vítimas. “Como era uma criança ainda, pura, nem precisaria pedir por ela. Mas pedi assim mesmo.” Pediu também proteção aos colegas bombeiros – “Só Deus pode confortar a gente em um momento desses”. O soldado chegou em casa, abraçou a namorada e colocou a mão em sua barriga. A criança chutou. Dois dias depois, o pediatra disse que se tratava de uma menina. “Está vendo? Deus sempre manda sinais para a gente. Eu tirei uma morta da terra e Deus vai me dar uma de presente”, afirma o soldado.

Flávio quer ter cinco filhos. Está cursando faculdade de direito e pretende ser defensor público “para ajudar a quem não tem dinheiro”. O salário inicial é de R$ 18 mil. Flávio diz que a profissão de bombeiro foi a única que o realizou completamente. “Se eu pudesse ganhar esse dinheiro como bombeiro, seria bombeiro para sempre”, diz.

Postado por Capitão Assumção Deputado Federal

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